Pesquisar no site
11.Dezembro
Somos todos iguais?



Senador Paulo Paim (PT/RS)

Presidente da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados do Congresso
O racismo no Brasil está presente na sociedade, nas instituições, no poder público, na política, no setor privado. As novas e velhas gerações precisam abdicar da falsa visão de que somos uma democracia racial.  O racismo é estrutural. Está alicerçado no sistema escravocrata que não foi inteiramente removido. Não enfrentá-lo é omitir-se, é permitir a continuação das mazelas sociais. 

 A população brasileira é composta por 56,2% de pretos e pardos. Estamos falando de aproximadamente 118 milhões de pessoas. A maioria é pobre e vive em condições subumanas, em moradias precárias, sem saneamento básico e água potável.  As “correntes” que prendiam ontem pés e mãos, hoje são visíveis no desemprego, na inexistência de oportunidades iguais; na saúde precária, na educação que cada vez fica mais distante, na falta de segurança.

 As verdades mais profundas são alcançadas quando precedidas pelo silêncio. E é isso que acontece. As vozes calam-se frente ao olhar que discrimina pela cor da pele e pelo cabelo afro; pelas palavras que insultam, por gestos obscenos; pela insolência de uma suposta “superioridade”. Não basta mais fazer referência à Constituição, “todos são iguais”. Temos que indagar: “somos todos iguais efetivamente?” 

“A carne mais barata do mercado é a carne negra. Que vai para debaixo do plástico. E vai de graça para o subemprego. E para os hospitais psiquiátricos... A carne mais barata do mercado é a carne negra”, diz a canção. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado; balas perdidas mataram as crianças Emilly, Rebeca, João Pedro, todas com menos de 15 anos. Em 24 horas, 13 mulheres são mortas e a maioria, negra; 60% das prisões são provisórias e são os negros que estão lá. As religiões de matriz africana são alvo de 59% dos crimes de intolerância religiosa. 

Assassinatos, discriminações e abordagens policiais mal feitas não são de agora. Isso vem de décadas. Em 1987, o negro e operário Júlio Cesar de Melo Pinto foi preso, suspeito de assalto a um supermercado em Porto Alegre. Entrou ileso numa viatura e chegou morto ao hospital. As investigações o inocentaram. Mas os açoites desse bárbaro crime construíram geografias nas costas dos seus familiares que até hoje choram sua perda.    

Jovens não são aceitos para vagas de emprego por serem negros. Quando são aceitos, recebem os menores salários. É exceção os negros chegarem a cargo de coordenação ou gerência. São pouquíssimos os negros nas instâncias superiores dos partidos. Isso é uma realidade que se repete no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Os números de senadores, deputados federais e estaduais, governadores, prefeitos e vereadores negros são baixíssimos.  

Mesmo com todas essas adversidades, aos poucos, vamos corrigindo essa defasagem estrutural da sociedade. Não podemos desistir. É persistir sempre, fazendo o bom combate, a boa política.  Um dos caminhos é a ação legislativa. A lei 12.288/2010, oriunda de projeto de nossa autoria, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, é a mais completa norma jurídica para a promoção da igualdade racial: direito à saúde, à educação, acesso à terra e à moradia; direito ao trabalho e aos meios de comunicação, entre outras.

Em novembro último – mês da Consciência Negra - o Senado aprovou três projetos: o que tipifica como crime de racismo a injúria racial. Aliás, o STF reconheceu recentemente essa aspiração; o que reconhece o sítio arqueológico do Cais do Valongo (RJ) como patrimônio da história e da cultura afro-brasileira e o que cria o Selo Zumbi dos Palmares nos municípios que adotarem políticas afirmativas; já promulgado pelo presidente do Senado. Temos que aprovar ainda o que reserva vagas para estudantes negros e negras nos programas de pós-graduação. 

Precisamos ainda instalar a Subcomissão da Igualdade Racial no Senado. Outro projeto, que trata da abordagem policial, aprovado no Senado aguarda votação na Câmara. Outras propostas precisam de urgência como o PL 4656, que estende a vigência da Lei de Cotas (Lei 12.711/2012). Do contrário, perde a validade em 2022.  

Enquanto houver racismo e discriminações, não haverá democracia. Buscamos a harmonia da sociedade, onde negros, brancos, indígenas, LGBTQI+, migrantes, refugiados e ciganos, entre outros, vivam como irmãos, em fraternidade; que haja respeito às diversidades e às diferenças, aos direitos humanos. Que todos tenham oportunidades iguais e caminhem juntos sob a luz de políticas humanitárias e libertárias.   
  
Fonte: Correio Braziliense