A Constituinte de 88, na ânsia de acabar com o decreto-lei, criou o instituto da Medida Provisória (MP). Foi um equívoco. Os constituintes da época, entre os quais eu estava, adotaram as MPs porque entendiam que o plebiscito aprovaria o parlamentarismo. O povo deu a resposta nas urnas e aprovou o presidencialismo. Ali começou a confusão. O instrumento do parlamentarismo passou a ser aplicado de forma abusiva no presidencialismo. Com essa distorção o que se viu então o uso e o abuso das MPs por parte de todos os governos que se seguiram.De 1988 para cá tivemos 6980 medidas provisórias, entre edições e reedições. Isso segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Foram 1.039 MPs originárias e 5.941 reedições de MPs. Neste ano, em menos de três meses já tivemos nove MPs editadas e esse número é alterado a cada dia. Somadas às do ano passado, temos atualmente tramitando no Congresso Nacional 27 MPs, dessas 12 trancam a pauta da Câmara dos Deputados e seis a pauta do Senado, conforme dados do Planalto.Em praticamente 80% dos casos as MPs não cumprem os requisitos de urgência e relevância que as dão razão de existir. Ou seja, tivemos um equívoco há 20 anos, mas temos uma série de outros ao longo dessas duas décadas, pois o Congresso, ao perceber que as MPs não cumpriam os requisitos, deveria as ter devolvido ao Executivo. Isso não aconteceu e nem acontece. O resultado disso é absurdo trancamento da pauta. Assim, matérias muito importantes para os brasileiros ficam em segundo plano.O Legislativo acaba não cumprindo sua função que é legislar. As MPs estão, então, invertendo os papéis dos Poderes Constituídos. O Executivo passa a exercer a função do Legislativo e os legisladores passam a ter o vergonhoso papel de simplesmente dizer sim ou não às medidas propostas. O debate passa a ser sobre o instrumento utilizado e não sobre o mérito de cada uma das medidas.Os parlamentares não analisam as matérias de sua iniciativa e têm seu trabalho jogado por terra, afinal, nessas duas décadas muitas MPs eram semelhantes ou mesmo iguais a projetos de iniciativa do Congresso. Não há dúvida que a credibilidade de senadores e deputados é afetada. Por isso, é urgente alterarmos a forma de aplicação e análise das MPs. Elas precisam ter prazo de vigência e cair quando ele não for cumprido. Deve haver mais rigor em suas edições e aceitação ou não pelo Congresso Nacional.É preciso dar agilidade ao processo. Por isso apresentamos a PEC 35/04 que também pretende evitar a edição e reedição de tantas MPs por parte do Executivo. Propomos que o processo legislativo seja revisto. A idéia é que, sempre que o governo editar uma MP, caso haja matéria de mesmo teor em tramitação na Câmara ou no Senado, essa proposta tenha prioridade de discussão. Assim, teremos valorizado o trabalho de todos os parlamentares e não haverá tantos problemas relacionados ao trancamento da pauta. Propomos ainda que a análise das MPs seja feita de forma alternada. Hoje ela se inicia pela Câmara e, após, passa à apreciação dos senadores. O objetivo é dar rotatividade a esse processo: uma MP entraria pela Câmara, outra pelo Senado e assim sucessivamente. Outro ponto a ser revisto são as comissões mistas. A existência delas, a nosso ver, poderia ser banida, afinal, elas não são instituídas. Defendemos que as sessões sejam transformadas, prioritariamente, em comissões gerais para que sejam discutidos os grandes temas da conjuntura como, por exemplo, o desemprego, as taxas de juros, a distribuição de renda, a violência, a educação, a corrupção e as próprias medidas provisórias. Acreditamos que o modelo legislativo atual está completamente esgotado, por descrédito e ineficiência comprovados. Isso exige por parte do Congresso Nacional a adoção de uma atitude decidida rumo ao seu aprimoramento. Acreditamos que a democracia e os próprios Poderes Constituídos sairão fortalecidos se mudarmos definitivamente a forma de tramitação das MPs.Senador PAULO PAIM (PT/RS)