A Assembléia Nacional Constituinte de 1988 foi um dos momentos mais bonitos da história do Brasil. Fico emocionado só de pensar e, às vezes, não tenho como segurar as lágrimas. Para mim foram meses em que o povo brasileiro semeou e molhou a terra. As palavras do Drº Ulisses Guimarães continuam vivas na minha memória e, acredito, na de muitos também: Essa será a Constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, segregados nos guetos da perseguição social. Pela primeira vez na história republicana do país tivemos uma autêntica representação de trabalhadores numa Assembléia Constituinte. Graças a essa participação tivemos alguns avanços, principalmente no que diz respeito aos direitos sociais: jornada de trabalho semanal de 44 horas; direito a greve; estabilidade dos dirigentes sindicais; aviso prévio acrescido e proporcional; adicional de férias; a não prescrição dos direitos trabalhistas para o trabalhador rural e urbano; turno de seis horas; licença-gestante; licença-paternidade; igualdade de direitos entre os trabalhadores rurais e urbanos; remuneração integral da aposentadoria. É claro que tivemos algumas proposições que não foram alcançadas como a reforma agrária, o fim do voto secreto no Congresso Nacional, a jornada de trabalho de 40 horas semanais e a aposentadoria integral aos 30 anos de serviço. Estávamos tão sedentos por mudanças que em muitas vezes deixamos de lado questões partidárias e ideológicas e fomos a fundo buscar os melhores encaminhamentos. A lei de greve era uma antiga bandeira de luta do movimento sindical. Havia um grupo que não aceitava essa posição, mas nós conseguimos, através de muito diálogo, nos articularmos. Por várias vezes nos reunimos com Ulysses Guimarães, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, Olívio Dutra, João Paulo Pires de Vasconcellos e Renan Tito, entre outros, para chegar a um entendimento. Quando a redação ficou pronta pedimos carinhosamente para o deputado Jarbas Passarinho que lesse e defendesse o projeto. O texto estava equilibrado e foi aprovado por unanimidade. O deputado Alceni Guerra foi incansável na defesa da licença-paternidade. Certa vez ele foi ridicularizado enquanto discursava e no final da explanação o plenário literalmente veio abaixo com assobios e aplausos. A concessão desse benefício foi uma inovação, já que antes nenhuma Constituição brasileira tratou do assunto.E o que dizer da atuação do grande Mário Covas? Ele foi o grande articulador da Constituinte. Até hoje ele nos faz falta.É nítido que as conquistas que temos foram alcançadas a partir da Constituição Cidadã. Mesmo que ainda falte a regulamentação de vários artigos ela continua sendo a mais avançada de todas que tivemos.A partir da sua promulgação, até os dias de hoje, cerca de 30 milhões de pessoas saíram da miséria absoluta no país, apenas para dar um exemplo. Então, a Constituição de 88 cumpriu o seu papel de garantir avanços sociais.Estou convencido de que fizemos o que tínhamos de fazer, pois carregávamos naquele momento todas as esperanças do povo brasileiro. Fomos soldados da nossa pátria, e isso é motivo de orgulho para nós. Atualmente sou contra a realização de uma nova constituinte, como querem alguns. Mas, não descartamos a possibilidade de fazermos mudanças pontuais. Isso vai depender de um grande entendimento nacional. Hoje, vendo as mãos calejadas e as rugas nas faces desse mesmo povo, que lá atrás semeou e molhou a terra, sei que a nossa democracia social e econômica está sendo consolidada cada vez mais.No dia em que assinei a nova carta constitucional, o meu filho Jean Cristian, estava ao meu lado. A foto que tiramos naquele 5 de outubro de 1988, até hoje, está na cabeceira de sua cama.Senador Paulo Paim (PT/RS)