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11.Fevereiro
Pousada Sossego

A questão da discriminação racial no Brasil mostrou suas garras esta semana com o registro de dois casos cuja brutalidade envergonha a consciência nacional.A tragédia maior ocorreu em São Paulo, onde o jovem dentista negro Flávio Ferreira Sant'Ana foi assassinado por policiais militares ao ser confundido com um ladrão, mas a expulsão uma pousada de Brasília de um grupo de sete pessoas também negras não diminui a nossa indignação.Flávio voltava do aeroporto onde fora levar sua namorada quando teve seu carro interceptado pelos policiais militares que primeiro atiraram para depois constatar que tinham alvejado a pessoa errada. Verificado o erro, forjaram uma situação para transformar a vítima em bandido, até a farsa ser descoberta quando a família localizou o corpo de Flávio no necrotério.Por ironia do destino, o jovem dentista tinha por pai o oficial da reserva Jonas Sant'Ana, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que provavelmente já teve sob suas ordens os algozes do seu filho.Vindas de uma área de quilombos no Mato Grosso, a convite da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, as sete pessoas negras chegaram a Brasília trazendo demandas de suas comunidades e a crença de que todas as pessoas, sem distinção, têm acesso garantido a todos os lugares e serviços destinados ao uso público.Na Pousada Sossego, onde se hospedaram, foram retiradas das acomodações que já ocupavam e expulsas da pensão pela sua proprietária, Fátima de Almeida, alegando que elas iriam sujar os lençóis.Da mesma forma que o dentista Flávio foi confundido como um assaltante por ter a pele escura, a dona da pousada de Brasília inspirou-se na falsa noção de superioridade racial para expulsar de sua hospedaria pessoas negras, consideradas inferiores. Mas não estamos diante de fatos isolados. O Brasil é uma imensa Pousada Sossego que nega à metade da sua população toda forma de abrigo. O Brasil nega aos afro-brasileiros o direito ao trabalho, o direito à habitação. O Brasil há quase cinco séculos nega aos seus afro-brasileiros os direitos plenos de cidadania, direitos civis, sociais e econômicos.  O episódio da Pousada Sossego e o assassinato do jovem dentista paulista simbolizam uma exclusão mais ampla. Exclusão que se realiza no cotidiano de milhões de afro-brasileiros que têm seus direitos individuais e coletivos sistematicamente violados e que procuro reverter com o projeto de minha autoria que cria o Estatuto da Igualdade Racial. A aprovação desse Estatuto se torna cada dia mais urgente, sob pena da violência contra os negros em nosso país descambar para níveis como o registrado também esta semana na África do Sul, onde um fazendeiro jogou um de seus ex-empregados, negro, na jaula dos leões.Paulo Paim (PT-RS)