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06.Abril
119 anos depois, Abolição não concluída - Jornal do Brasil

Racismo em estádios de futebol . Mulher entra na justiça contra hipermercado por ter sido mal tratada por ser negra. Rapaz negro é confundido com ladrão de carros e é morto em frente de sua casa.   Esses temas , comuns em  manchetes de jornais, são corriqueiros no dia-a-dia mundial.  Seja no Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial ou em qualquer outra data, pessoas de todo o mundo buscam encontrar meios de combater o racismo e o preconceito. P ode haver quem pense "Ah! Todos os anos é a mesma coisa. Sempre os mesmos discursos". É verdade. O tema não muda muito, afinal, a realidade altera-se lentamente. Mas, altera-se. E aí está a importância dessa repetição, dessa insistência. Fala-se muito em atingir as Metas do Milênio, aprovadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Mas, não podemos esquecer que uma das bases para isso é a igualdade racial. Se olharmos em termos globais, veremos que, por exemplo, na África: mais de 40% das mulheres necessitam de ensino básico; a mesma porcentagem de pessoas não têm meios de obter alimentos diariamente; cerca de um milhão de crianças morrem anualmente vítimas de malária. Se formos para outros países, os dados não serão muito diferentes. Na Europa, local cujo padrão de vida das pessoas é muito melhor que o de países da África, é freqüente vermos acusações raciais, principalmente no campo esportivo. Aqui no Brasil, idem. Dados do Atlas Racial Brasileiro, divulgados pelo PNUD em 2004 nos mostram que 65% dos pobres e 70% dos indigentes brasileiros são negros. Números que mantêm uma certa tendência desde a década de 90. A pesquisa mostra ainda que, apesar de uma queda nos números de mortalidade infantil, as taxas entre os filhos de mulheres negras é 66% acima das registradas entre os de mulheres brancas. Uma outra pesquisa, realizada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), intitulada "Retrato das Desigualdades: Gênero e Raça", traz dados semelhantes. Mostra-nos que cerca de 21% das mulheres negras são empregadas domésticas, sendo apenas 23% com carteira assinada. Entre as   não negras  esses números são 12,5% e 30%, respectivamente. Na área educacional, também há disparidade. Em 2003, 16,8% dos negros com mais de 15 anos eram analfabetos, entre a população não negra esse percentual era de 7,1. Nas Universidades temos apenas 5% de alunos negros. Número muito baixo para um país de maioria negra. Enfim, as disparidades são muitas, mas não podemos fraquejar. A luta   de negros e brancos  não acabou com a assinatura da Lei Áurea. Ali tivemos uma vitória e o início de uma nova batalha. Sim, porque a liberdade foi conquistada, mas não os direitos.   Foi em razão dessa abolição inconclusa que propusemos a criação de uma Comissão Temporária no Congresso Nacional. Envolvendo Legislativo, Judiciário e Executivo, a idéia é debater matérias como o PL 73/99   que institui o sistema de cotas,  de autoria da Deputada Nice Lobão, e  a PEC, de nossa autoria, que institui o   Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Há ainda o Estatuto da Igualdade Racial que, entre outras coisas, prevê o acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde; o respeito às atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer; o direito à propriedade definitiva de terras para remanescentes das comunidades quilombolas; o reconhecimento do direito à liberdade de consciência e de crença. A discussão desses temas é um avanço. Tais como os conquistados com a Lei 10.639 de 2003, que determina a inclusão da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" no currículo da Rede de Ensino  . Apesar da conquista, essa Lei é ainda muito pouco aplicada no Brasil.  Ninguém pode  apagar o passado de nosso país.     Este passado se reflete no presente e somente com a sabedoria da experiência poderemos projetar um futuro onde todos sejam realmente iguais.  Senador Paulo Paim (PT-RS) é autor do estatuto da Igualdade Racial e presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal