Senadores, entidades e familiares pedem outra Comissão da VerdadeNa primeira audiência pública sobre o projeto no Senado, debatedores reclamam do projeto do governo e defendem mudanças. Propõem foco na ditadura de 1964 e veto à presença de militares. Parecer na Comissão de Constituição e Justiça será apresentado nesta quarta-feira (19) pelo relator Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que recebe críticas por não ir à audiência. Najla Passos BRASÍLIA – O projeto que cria a Comissão da Verdade precisa ser aperfeiçoado para não frustrar as expectativas da sociedade brasileira de ver reconhecido o seu direito de resgatar o que de fato ocorreu durante o mais cruel regime de exceção do país: a ditadura militar instalada em 1964. Esta foi a posição unânime de senadores e convidados que participaram da primeira audiência pública a discutir o projeto no Senado, realizada nesta terça-feira (18) pela Comissão de Direitos Humanos. Quem não compareceu, entretanto, foi justamente o primeiro relator da matéria no Senado, Aloysio Nunes (PSDB-SP), que apresentará nesta quarta-feira (19) seu parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “O relator deveria estar presente para ouvir o que a sociedade brasileira espera deste projeto”, criticou o senador Pedro Simon (PMDB-RS). O projeto ainda passará pela Comissão de Direitos Humanos, onde terá outro relator. Também não participaram o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, e a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. “Isso é uma desconsideração com os ex-presos políticos e com as famílias dos desaparecidos políticos”, afirmou o jornalista Pedro Pomar, que teve o avô assassinado e o pai preso e torturado durante a dtadura militar. Ex-perseguidos pela ditadura e familiares de desaparecidos políticos endossaram as críticas, ressaltando que a discussão é imprescindível para que os senadores ouçam as entidades e modifiquem o projeto para atender às demandas da sociedade, ao contrário do que fizeram os deputados. Iara Xavier Pereira, do Comitê pela Verdade, Memória e Justiça, criticou o longo período proposto para investigação: de 1946 a 1988. Para o Comitê, a data inicial deve ser o ano do golpe de 1964. “A Comissão da Verdade, da forma como está prevista, não nos atende. É um absurdo que ela mantenha o sigilo sobre o que ocorreu, que não abra os arquivos da ditadura.”, afirmou a representante da Comissão de Familiares de Mortos, Susana Keninger Lisboa. “Não há verdade sem justiça e não há reconciliação sem que a gente conheça cada um dos crimes cometidos e quem os cometeu.” Já Aton Fon Filho, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, cobrou a retirada de artigo que prevê a possibilidade de participação de militares na Comissão. “É inadmissível que os algozes sejam convocados para investigar seus próprios crimes”, acrescentou o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP). O secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcos Vinícius Furtado Coêlho, cobrou também que a composição da Comissão seja plural, a exemplo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Carvalho, reiterou a importância da diminuição do período investigado para que a comissão não perca seu verdadeiro foco e do aumento do número de membros. Filho do ex-presidente João Goulart, João Vicente Goulart lembrou que a Comissão é anseio de toda a sociedade. “A democracia não se consolida sem que possamos conhecer a nossa história”, disse. Ele frisou a importância da comissão ter autonomia para firmar convênios com outros órgãos ou países. “Os serviços de inteligência do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile trabalharam juntos durante a Ditadura, inclusive na Operação Condor. Além disso, nossos vizinhos já instalaram Comissões da Verdade e podem nos ajudar com informações.” João Vicente lembrou também que as circunstâncias da morte de seu próprio pai ainda não foram esclarecidas e que, por isso, é tão importante que a comissão não seja apenas uma farsa. O senador Pedro Taques (PDT-MT) defendeu que a Casa não se submeta à pressão do governo federal para aprovar o projeto como enviado pela Câmara. “Este projeto possui muitas inconsistências constitucionais e violações de convenções internacionais.” Para ele, a Câmara precisa ser respeitada, mas é necessário que o senado possa debater o projeto e aprimorá-lo, para que ele não seja mais uma farsa na democracia brasileira. O senador Randolfe concordou. Segundo ele, a Comissão da verdade deveria ter sido criada há 25 anos, quando a ditadura militar acabou. “Nós ainda não concluímos nosso processo de transição democrática.” A senadora Ana Rita (PT-ES) manifestou apoio às propostas apresentadas pelos movimentos e entidades que participaram da audiência. “É consenso que o projeto não contempla o que a sociedade acha realmente relevante”, diz. Para a senadora, é imperativo que o país crie uma Comissão que possa apurar o que de fato aconteceu durante o regime militar, sob pena de perpetuar a tortura nas cadeias e prisões. “Se ficarmos com uma dívida histórica como essa, não teremos autoridade para continuar a defender os direitos humanos”. O presidente da comissão, Paulo Paim (PT-RS) informou, ao final do evento, que irá encaminhar um resumo das propostas surgidas na audiência a Aloysio Nunes e à ministra dos Direitos Humanos. O senador leu o resumo dessas propostas que, após breve debate, foi aprovado por consenso entre os participantes. Fonte: Carta Maior