Audiência pública hoje cobrará de secretários estaduais de Saúde que incluam no teste do pezinho a identificação precoce da anemia falciforme A anemia falciforme ataca o corpo com violência. Quem sofre dessa doença do sangue precisa se acostumar às dores pelo corpo e às feridas nas pernas que podem levar anospara cicatrizar. Coração, fígado e rins defi nham. O sistema imunológico fi ca debilitado. O risco de acidente vascular cerebral (AVC) é alto. É um mal crônico, com o qual o doente terá de conviver até o fi m da vida. A doença ataca com tanta violência que, das crianças doentes que não são tratadas desde o nascimento, 80% morrem antes dos 5 anos. A identifi cação da doença após o parto não deveria sercomplicada. A anemia falciforme está entre as doenças detectáveis pelo teste do pezinho, feito com gotas de sangue do recém-nascido. Na prática, porém, muitas mães dão à luz sem saber que seus filhos estão doentes. Das maternidades públicas das 27 unidades da Federação, segundo o Ministério da Saúde, as de nove ainda não aproveitam o teste para a anemia falciforme. Para tentar mudar essa realidade, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado convidou os 27 secretários de Saúde para uma audiência pública, marcada para hoje, que discutirá a anemia falciforme. Os secretários dos estados que não fazem a detecção precoce serão cobrados e, ao mesmo tempo, ouvirão dos secretários dos estados que já oferecem o teste completo do pezinho uma explicação de como incluíram a doença em suas políticas. SubestimadaEmbora pouco falada, a anemia falciforme atinge uma fatia considerável da população brasileira. Estima-se que, todos os anos, 3 mil bebês nasçam com a doença no país – um a cada mil nascidos vivos. Não há estatísticas sobre as mortes. – Trata-se de um problema de saúde pública que é gravíssimo, mas que está sendo perigosamente subestimado – diz o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH. Em 2005, o Ministério da Saúde criou uma política para a anemia falciforme. Ela prevê que o Sistema Único de Saúde (SUS) está obrigado a fornecer exames de detecção (para bebês e adultos), aconselhamento genético (para que os pais saibam se têm risco de ter fi lho doente), acompanhamento de hematologista, drogaspara os sintomas, internações e transfusões de sangue. Para incluir a anemia falciforme no teste do pezinho, os estados precisam ter equipamentos próprios e técnicos qualificados. O ministério oferece verbas e apoio técnico aos estados – os responsáveis, conforme as regras do SUS, pelo atendimento dos doentes. O governo federal, pelas regras, não pode impor o programa aos governadores. – Alguns estados não fazem absolutamente nada em relação à doença falciforme – diz Joice Aragão de Jesus, coordenadoradas políticas para a doença Já passei por mais de 500 transfusões de sangue Aos 44 anos e aposentado por invalidez, Elvis Silva Magalhães calcula que a anemia falciforme o obrigou a submeter-se a mais de 500 transfusões de sangue. – Criança, perdi muita aula. Adulto, deixei de trabalhar vários dias. Mas os piores momentos foram nos anos 1980, quando surgiu a Aids. Entrava em pânico a cada transfusão – ele lembra. Magalhães nasceu em Goiás. A família teve de se mudar para Brasília para que ele se tratasse no hospital da UnB. – Das seis pessoas que se tratavam comigo, nenhuma conseguiu chegar aos 30 anos – conta. Por anos, teve dores fortíssimas pelo corpo, úlceras na perna e perdeu o baço. Passava noites sem dormir. Num único ano, chegou a ser internado 15 vezes. Seis anos atrás, numa pesquisa científi ca, Magalhães se submeteu a um transplante de medula óssea. Curou-se da anemia falciforme. O SUS estuda oferecer esse procedimento aos doentes em estado gravíssimo. – Por muitos meses, acordei sem acreditar que todo aquele sofrimento havia passado. Fonte: Jornal do Senado