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18.Agosto
A busca do tempo perdido - Jornal Agora

O Brasil vai se assustar quando perceber o prejuízo acumulado pela exclusão da metade da sua população.  Décadas de defesa de um mito foram suficientes para colocar a questão racial nacional numa situação de desvantagem em relação às estatísticas apresentadas pelos Estados Unidos da América e pela África do Sul. Nestes dois países, o grau de escolaridade da população negra é superior ao dos negros de nosso país, bem como a representatividade em todas as instâncias da sociedade, incluindo a ocupação de cargos públicos e privados de prestígio e a visibilidade na mídia. Como isso pode ser possível, se até há bem pouco tempo eles eram os ícones do apartheid racial? Graças às ações afirmativas, que buscam concretizar a efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais, como a educação e o emprego, sendo já adotadas em diversos países europeus, asiáticos e africanos. O Brasil sucumbiu ao velho patriarca e entra no século XXI rangendo dentes ao que há de mais moderno na conjuntura democrática mundial, em se tratando de garantia da efetiva igualdade de condições. Que o digam os juízes da Suprema Corte dos EUA  que, no final de junho, deram parecer favorável ao tratamento preferencial concedido a estudantes que pertencem a minorias na Universidade de Michigan e entenderam que as universidades que recebem fundos públicos podem utilizar o fator racial como critério para selecionar novos estudantes.   Resistir às ações afirmativas atesta preconceito e desinformação. Sejamos então didáticos: na construção do Brasil algumas etnias foram privilegiadas em detrimento de outras.  Algumas receberam terras, instrumentos para o trabalho, dinheiro. Outras, trabalharam séculos sem remuneração, ficando impossibilitadas de adquirir qualquer bem e sendo abandonadas a própria sorte pós-escravidão. Ou seja, quem chegou na condição de proprietário e/ou imigrantes já recebeu a sua cota.  Quem chegou na condição de propriedade reivindica agora a cota que ainda não veio. É como se numa corrida de 200 metros uma metade dos competidores largasse 100 metros na frente. Um privilégio tão antigo que chega a passar despercebido. Restando para a outra metade, que larga no marco zero, o esforço desmedido, o excepcional, a sorte.Resistir às ações afirmativas atesta preconceito e desinformação.Outros países já perceberam que não é sábio desprezar a capacidade de produção, o potencial intelectual e criativo ou o poder de consumo de qualquer segmento da sociedade. Para evitar vexames, nem convém falarmos em estatísticas beirando os 50%. Demorou, mas timidamente começam a despontar iniciativas para que a largada dos brasileiros não seja tão desigual. Dentre elas, as reservas de vagas para negros implantadas por quatro universidades e pelo Supremo Tribunal Federal. Bem como alguns projetos que tramitam no Legislativo, como o Estatuto da Igualdade Racial, de nossa autoria, que está no Congresso Nacional, e o Projeto de Lei encaminhado pela Prefeitura de Porto Alegre à Câmara de Vereadores, que reserva aos negros dez por cento das vagas oferecidas nos concursos públicos.  Que bons ventos impulsionem estas e outras iniciativas, estimulem o governo federal a também fazer a sua parte e permitam que os brasileiros de boa vontade e de sincera vocação democrática possam recuperar o tempo perdido.Paulo Paim PT/RS