A aprovação, pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, do PLS 296/03, de nossa autoria, abriu portas para que seja extinto o fator previdenciário, um redutor das aposentadorias criado pela Lei 9.876/99 durante a reforma da Previdência promovida pelo governo FHC. O grande mérito da corajosa atitude do Senado é trazer à tona um debate essencial: os rumos da Previdência. A importância desse debate cresce no momento em que se articula uma nova reforma da Previdência, sem dúvida mais danosa ainda com a desvinculação entre piso de benefícios previdenciários e salário mínimo, e a instituição da idade mínima para aposentadoria. Na fórmula de cálculo do fator previdenciário é considerada a tábua de vida elaborada pelo IBGE para determinar a expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria. Essa tábua é corrigida anualmente e sofre modificações metodológicas para proceder aos cálculos demográficos. Não é, de forma alguma, um instrumento adequado para cálculo atuarial - tanto que nenhum fundo de pensão a utiliza para estabelecer valor de benefício. E mais: desde dezembro de 2003 a situação se agravou com a abrupta variação na expectativa de sobrevida aferida pelo IBGE, o que levou a uma redução média de 16% no valor das aposentadorias dos trabalhadores. Essa variação trouxe uma situação inusitada. Tome-se o exemplo de dois segurados nas mesmas condições: ambos filiaram-se ao INSS com 18 anos de idade e tinham, em novembro de 2003, 57 anos de idade e 39 de contribuição. O primeiro deles resolveu se aposentar e teve aplicada a tábua de sobrevida de 2001 (válida para aposentadorias até 1º de dezembro de 2003); seu fator previdenciário foi igual a 1,0171 (ou seja, não houve redução no benefício). O segundo resolveu adiar o pedido de aposentadoria para novembro de 2004, quando teria 58 anos de idade e 40 de contribuição, para obter uma aposentadoria um pouco maior. Como a tábua aplicada foi a de dezembro de 2003, seu fator previdenciário foi igual a 0,9648 e seu benefício inicial, menor do que o outro cidadão. Ou seja, o segurado trabalhou um ano a mais, mas seu benefício foi reduzido. A injustiça foi tão gritante que, na época, o Ministério Público acatou denúncia feita pelo deputado Sérgio Miranda, e instaurou ação civil pública contra o uso da nova tábua do IBGE. Pode-se dizer que a injustiça se perpetua e se agrava, pois a tábua continua sendo atualizada todo ano, gerando enorme insegurança para os segurados que se aproximam do momento da aposentadoria. Hoje, é necessário trabalhar até 63,4 anos para se aposentar com fator igual a 1 - ou seja, sem redução de benefício. O que indica que daqui a 3 anos, apenas com 65 anos será possível se aposentar com o valor integral. O mercado de trabalho no país é profundamente desigual. Por um lado, existe o jovem de formação universitária, com especialização, que entra no mercado de trabalho aos 25 anos e pode, perfeitamente, ampliar sua vida laboral para além dos 65 anos. Mas, a maioria é composta por brasileiros que entram no mercado de trabalho ainda adolescentes, formam-se de forma precária na prática do trabalho e, muito freqüentemente, aos 45 anos já não conseguem mais emprego. Para esses, a aposentadoria muitas vezes é a única opção. O fator previdenciário é tão perverso que, de forma maquiavélica, só é aplicado para os mais pobres como, por exemplo, aqueles que recebem de um a sete salários mínimos. Hoje um ministro do Supremo Tribunal Federal se aposenta com R$ 24 mil e a esse valor não é aplicado o fator previdenciário. Um trabalhador que iria se aposentar com R$ 2 mil, aplicando-se o fator, poderá ter sua aposentadoria reduzida para R$ 1.400, se homem e, no caso das mulheres, R$ 1.300. Uma verdadeira reforma da previdência trabalharia com cálculos atuariais, reduzindo essas contribuições sobre a folha de pagamento, transferindo-as para o faturamento das empresas. Isso sem falar do alardeado déficit da Previdência - sempre apontado como justificativa para redução dos benefícios-, que não existe. Se existisse, nos últimos dez anos R$ 45 bilhões de recursos da Seguridade Social não teriam sido desviados para outros fins. Não esqueçamos também que, conforme dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (Anfip), cerca de 85% do superávit primário do país são provenientes dos recursos desviados da Seguridade. Não há injustiça maior que tratar de forma igual os desiguais. Ao enfrentar essa injustiça, o Senado abre espaço para que a sociedade discuta a necessidade de ampliar a inserção previdenciária, garantir segurança e estabilidade aos trabalhadores e defender a Previdência pública. Senador Paulo Paim (PT/RS) Deputado Federal Sergio Miranda (PDT/MG)