ZERO HORA Aposentados do Aerus transformaram Salão Verde em dormitório para pressionar governo a negociar O todo-poderoso Eduardo Cunha (RJ) deixa a sala da liderança do PMDB rumo ao plenário da Câmara. Surpreso, olha a estranha pilha à direita: laranjas, garrafas térmicas e potes. Mais à frente, no cabide, uma camisa antiga da Varig identifica o grupo. Ontem, os 20 aposentados do caso Aerus completaram um mês acampados no Salão Verde à espera da chance de negociar com o governo. Desde que decidiram se “hospedar” na Casa do Povo, os velhinhos do Aerus – idade média de 70 anos – ganharam a simpatia da Câmara. Ordeiros e falantes, começam a rotina às 5h30min, quando os aspiradores de pó acordam o grupo. É hora de devolver as almofadas às cadeiras e recolher a roupa de cama. Almoço é no “bandejão”, restaurante da Câmara com preços poulares, de até R$ 15. Para as demais refeições, desistiram das telentregas após complicações estomacais. Improvisam frutas e sanduíches. Problema são os banhos. No cair da noite, usam os vestiários de funcionários terceirizados. A decisão de acampar no Congresso não é inédita. Em agosto de 2013, eles fizeram uma operação de guerrilha. Vestiram diversas mudas de roupa umas sobre as outras e sentaram-se em um dos tapetes em frente à tribuna de imprensa. Ali, ficaram nove dias. – Daquela vez, fomos hostilizados. Um deputado nos doou colchonetes, e eles foram surrupiados pela própria polícia legislativa. Só não nos tiraram à força porque alguns deputados gritaram: “ninguém mexe com os velhinhos!” – lembra Zoroastro Lima Filho, 83 anos, comandante aposentado da Varig, enquanto veste o pijama. Na ocasião, aceitaram um aceno de negociação que nunca veio. Agora, respaldados pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece a responsabilidade da União sobre o fundo falido, negociaram nova ocupação. Eles contam com o apoio do presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e com padrinhos como o senador Paulo Paim (PT) e o deputado Rubens Bueno (PPS-PR). – Estamos sendo bem tratados, mas ele (Alves) se preocupa com a nossa saúde. Um em cada três já precisou de atendimento no ambulatório da Câmara por problemas respiratórios – diz Graziella Baggio, 58 anos, líder do grupo e ex-comissária da Vasp. Entediados, os aposentados organizam pequenos atos. Já costuraram e malharam bonecos judas de Arno Augustin (secretário do Tesouro) e Guido Mantega (ministro da Fazenda). Ainda há uma boneca da presidente Dilma Rousseff – de topete e tailleur vermelho –, que ganhou um nariz de Pinóquio e virou ponto turístico. Na noite de quarta-feira, em que a ocupação completou 30 dias, o grupo encheu balões e preparou o cenário para uma irônica comemoração no dia seguinte, que virou despedida. Isso porque o grupo recebeu de Paim promessa de uma audiência na Presidência da Câmara, no dia 22, com Luís Inácio Adams, da Advocacia-Geral da União (AGU). O senador prometeu ainda aproveitar a viagem de Dilma ao RS para entregar as reivindicações do grupo à presidente. Ressabiados, eles ainda esperavam, na noite de ontem, uma confirmação da audiência por escrito, que não chegou. Mais pelo cansaço do que pela esperança de resolução, os velhinhos decidiram aprontar as malas e passar o feriadão de Páscoa em casa. A REIVINDICAÇÃO Saiba o que é o caso Aerus - Os cerca de 10 mil pensionistas querem que a União assuma a folha do fundo de pensão, estimada em R$ 35 milhões ao mês. - O caso começou no fim dos anos 1980, quando empresas áreas obtiveram as primeiras autorizações da Secretaria de Previdência Complementar para usar recursos do fundo de pensão, o Aerus, para compensar perdas com o congelamento de tarifas. A verba nunca foi reposta. - Falido, o fundo está em liquidação desde 2006. Os aposentados e pensionistas têm recebido só um percentual do que teriam direito – cerca de 8%. Em dois meses, o valor cairá a zero com o fim dos recursos fundo. - Em 12 de março, o STF decidiu que a União deve pagar as indenizações. O valor pode variar de R$ 3 bilhões, conforme a União, até R$ 9 bilhões, segundo representantes do sindicato Aerus.