Senhor Presidente,Senhoras e Senhores Senadores. No dia 25 de maio, comemoramos o Dia do Trabalhador Rural. A data não foi escolhida por acaso. Foi criada pela Lei nº 4.338, de 1º de junho de 1964, e marca o dia da morte do Deputado Federal gaúcho Fernando Ferrari, um pioneiro na luta pelos direitos dos trabalhadores rurais.No Diário do Congresso Nacional de 20 de junho de 1963, pode-se ler a justificativa do Projeto de Lei que deu origem ao Dia do Trabalhador Rural. Vou ler, aqui, um pequeno trecho. Abro aspas: \"Durante o honrado e dignificante exercício de seu mandato público nesta casa, o senhor Fernando Ferrari lutou pela...aprovação de uma lei que visse amparados os homens e mulheres que trabalham na terra. Luta incessante que, nos últimos dias da legislatura recém-finda, se viu coroada de êxito pela aprovação do Projeto nº 1.837-60, conhecido como Estatuto do Trabalhador Rural. (...) Descendente de humilde família de trabalhadores rurais, conseguiu, por meio de seu próprio esforço, (...) transformar-se num dos mais autênticos líderes da nova geração. (...) E foi no desempenho dessa importante missão, [difundir e debater o Estatuto do Trabalhador Rural], que a morte o colheu, na manhã do dia 25 de maio,...nas proximidades da cidade de Torres, no Rio Grande do Sul, ao chocar-se seu avião contra o morro denominado \'Chimarrão\'”, fecho aspas.Trata-se, portanto, de justa homenagem a esse pioneiro na regulamentação dos direitos trabalhistas dos homens e mulheres do campo. Antes da aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, nada havia que os amparasse. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, cuidava dos trabalhadores das cidades, dos braços que erguiam e sustentavam...a então iniciante indústria brasileira, mas deixava órfãos os milhões de trabalhadoras e trabalhadores que trabalhavam arduamente nas áreas rurais do País.Volto, de forma breve, aos anais do Congresso para reproduzir a justificativa do Deputado Fernando Ferrari para aprovação do Projeto de Lei que deu origem ao primeiro Estatuto do Trabalhador Rural. Penso que o texto, mesmo escrito há mais de 50 anos, continua atual. Abro aspas: \"Com a interiorização da capital, começa uma nova era sociopolítica para o Brasil.O preenchimento dos espaços vazios, a fuga do litoral para o oeste (...) constituem o fato sociológico mais importante deste século para a vida nacional\", fecho aspas. Vamos lembrar de que corria o ano de 1960, e a nova capital, Brasília, acabava de ser inaugurada. Abro aspas: \"Agora que os comandos políticos também se interiorizam e passarão a sentir mais de perto o cheiro da terra e a ouvir com mais frequência o clamor dos angustiados campesinos,...penso ter chegado a hora de integrar na comunidade política e social do País as populações rurais. Brasília será apenas um esqueleto levantado...no Planalto se não a sustentarmos com a estrutura (...) do amparo efetivo ao homem do campo, dando-lhe condições de sobreviver e prosperar\", fecho aspas.Sábias palavras! É disso que se trata, de \"sentir mais de perto o cheiro da terra\", de ouvir o clamor daqueles que trabalham, de sol a sol, para colocar o pão de cada dia em nossas mesas. Ouvir o clamor desses trabalhadores sem os quais nós, habitantes das cidades, seres urbanos, seríamos inviáveis. Pois não dispensamos o feijão, o arroz, a carne, o ovo, o leite, a verdura e a fruta que esses 12 milhões de brasileiras e brasileiros cultivam. Não podemos viver sem o alimento que essas mãos calejadas produzem e que saciam 200 milhões de estômagos em nosso País.E foi assim, sentindo o cheiro da terra, que evoluiu a proteção, a regulação do trabalho rural no Brasil. Iniciada pelo Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, ela teve prosseguimento com a sanção da Lei nº 5.889, de 1973, que estatuiu...“novas normas reguladoras do trabalho rural e revogou o Estatuto anterior”; ...e culminou com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, que, em seu artigo 7º, equiparou os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais.Apesar disso, apesar dos avanços legislativos, ainda há muito que fazer.Pela relevância da missão que cumprem, os trabalhadores rurais merecem toda nossa atenção. Eles precisam que a ação legislativa seja capaz de aplainar o terreno acidentado e irregular onde o trabalho rural acontece. Cada rincão do Brasil tem seu jeito próprio, seus usos, seus costumes, suas particularidades. Ser metalúrgico em São Bernardo do Campo é praticamente o mesmo que ser metalúrgico em Goiana, na Zona da Mata Pernambucana. Ser trabalhador rural em uma grande fazenda de soja no Mato Grosso, por outro lado, é completamente diferente de ser trabalhador rural em uma pequena propriedade familiar no interior do Rio Grande do Sul. E ambos, por sua vez, pouco têm em comum com o trabalho do lavrador que sobrevive de sua roça de mandioca no semiárido cearense.É preciso, por exemplo, reduzir a informalidade: segundo o IBGE, apenas 20% dos trabalhadores rurais são contribuintes da previdência social. É preciso aumentar a renda média do trabalho rural: segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a renda média rural é de 735 reais, apenas metade da renda média dos trabalhadores urbanos. É preciso, também, encarar uma realidade que desafia o senso comum, baseado na percepção equivocada de que, na zona rural, a mão de obra continua abundante. Já foi, não é mais. O que se observa nas áreas rurais do País é que a população economicamente ativa vem caindo.Tomemos como exemplo a agricultura familiar — essa modalidade rural tão importante, tão democrática, responsável pela produção da maior parte dos alimentos consumidos no Brasil. Mesmo sem os efeitos da mecanização e do aumento de produtividade, o número de pessoas ocupadas por propriedade vem caindo. Acredita-se que haja três fatores contribuindo para essa realidade: a redução no tamanho das famílias rurais; o envelhecimento dos agricultores familiares; e a migração dos jovens para os centros urbanos. Esse fenômeno resume bem a situação do trabalho rural no Brasil. É um problema que precisa ser enfrentado.Por que os jovens continuam migrando para as cidades? Por que esses jovens, ao planejar seu futuro, veem suas famílias e o trabalho rural pelo retrovisor? A resposta deve estar, justamente, no desequilíbrio que existe entre as condições de vida nas cidades e no campo. Para equiparar, de verdade, os direitos dos trabalhadores rurais e urbanos, para tornar o trabalho rural tão atrativo quanto o urbano, será preciso reduzir esse desequilíbrio.Será preciso melhorar as condições de trabalho, aumentando o investimento do empregador em saúde e segurança no trabalho. Será preciso aperfeiçoar as linhas de crédito para os agricultores familiares, reduzindo a burocracia e facilitando o acesso ao financiamento da produção. Será preciso eliminar do campo brasileiro qualquer vestígio de trabalho análogo ao de escravo. Será preciso criar condições para que a vida e o trabalho nos campos sejam tão atrativos quanto a vida e o trabalho nas cidades.Será preciso que haja escolas para as crianças e para os jovens. Que haja atendimento médico de qualidade. Que haja infraestrutura, luz, saneamento básico, estradas, telefonia celular e internet. Que haja condições de vida e de trabalho dignas, condições de vida que façam jus àquilo que os trabalhadores rurais representam para o Brasil. Será preciso, enfim, que haja aquilo que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) chama de trabalho decente:...\"um trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, e que seja capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que dependem do seu trabalho para viver\".Esse é o futuro que eu quero para os trabalhadores rurais; esse é o futuro que eu quero para o Brasil. Um futuro no qual — não importa onde trabalhe, não importa o que faça, não importa onde viva — o trabalhador brasileiro seja tratado, sempre, da mesma forma: com dignidade, com respeito, e com carinho.Era o que tinha a dizer,Senador Paulo Paim.