Há uma tendência mundial de crescimento do número de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo e da utilização de trabalho infantil, por motivações econômicas e pelo avanço do fundamentalismo religioso e do terrorismo. O alerta foi feito ontem pelo indiano Kailash Satyarthi, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2014, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Satyarthi disse aos senadores que as modernas formas de escravidão e de tráfico de pessoas estão associadas ao emprego de força de trabalho barata, principalmente crianças e imigrantes ilegais, como forma a reduzir custos e aumentar os lucros em diferentes setores da economia. Ele pediu a mobilização das instituições públicas e da sociedade civil, em uma grande campanha pelo fim do trabalho escravo. Ao elogiar o trabalho de Satyarthi, que há 36 anos se dedica à luta contra o trabalho escravo e a exploração de crianças, o presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), disse também compartilhar da opinião de que a educação é ferramenta fundamental para o enfrentamento do problema. O indiano lamentou que, em nome de tradições culturais, práticas de exploração de mulheres e crianças sejamaceitas e perpetuadas. Ele cobrou mais investimentos para a prevenção do tráfico de pessoas e para a reabilitação das que são resgatadas. Também observou que o contexto mundial era bem mais difícil há mais de cem anos, quando foi possível a abolição da escravatura. Atualmente, opinou, com avanços nas comunicações, nas tecnologias e principalmente com o fortalecimento da defesa dos direitos humanos em todas as sociedades, não se pode aceitar a existência da exploração humana. - Hoje temos ferramentas muito mais fortes para quebrar as algemas de escravidão — afirmou. Crime em mutação Para o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Lelio Bentes Corrêa, que participou do debate, a exploração do trabalho escravo resulta em lucros que superam US$ 150 bilhões ao ano. — É imprescindível que se dê combate sem trégua a esse crime que está em constante mutação. Há 20 anos, as vítimas estavam no campo. Agora constatamos que esse modo torpe de contratação do trabalho contamina centros urbanos, em oficinas têxteis, fabricação de calçados e outras atividades. O diretor da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) Luiz Antonio Colussi e o juiz Hugo Cavalcanti Melo Filho apontaram avanços na legislação brasileira de proteção aos direitos humanos. Porém, alertaram para riscos de retrocesso, caso avancem propostas de redução da idade mínima para o trabalho e para a imputabilidade penal. — São medidas reacionárias de um Congresso que nunca esteve tão conservador. Temos que barrar essas tentativas — disse Cavalcanti. Os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF), Paulo Rocha (PT-PA), Fátima Bezerra (PT-RN), Regina Sousa (PT-PI) e Paulo Paim criticaram o PLS 432/2013, que modifica a lei para excluir “jornada exaustiva” e “condições degradantes” como elementos para configuração de trabalho escravo. — Não podemos deixar que o país, que foi o último a abolir a escravidão no mundo ocidental, provoque agora um retrocesso na definição daquilo que é considerado modernamente como trabalho escravo — disse Cristovam. O texto foi retirado da pauta do Plenário em dezembro, após apelo de senadores ao presidente do Senado, Renan Calheiros. No entanto, disse Paim, a proposta voltou à pauta, sem ser discutida nas comissões da Casa e com a sociedade. — Nossa legislação é hoje referência positiva, mas temos uma perspectiva sombria de voltarmos a ser referência negativa — observou Ronaldo Curado Fleury, procurador-geral do Trabalho, sobre a eventual aprovação do projeto. Mobilização Ao final do debate, Paim disse ter sido informado que, frente à repercussão da audiência pública, o PLS 432/2013 teria sido retirado da pauta. — Vamos continuar insistindo com o presidente Renan e ao relator [Romero Jucá] para que o projeto passe em todas as comissões e possamos fazer o debate nos estados. Temos que confiar no diálogo e na mobilização.