Participantes
de audiência denunciam 'desmonte' do SUS
Especialistas e dirigentes de entidades da área de
saúde pública protestaram contra o que chamaram o “desmonte” do Sistema Único
de Saúde (SUS), nesta terça-feira (5), em audiência pública na Comissão de
Direitos Humanos (CDH). Segundo os expositores, a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 241/2016, que tramita na Câmara dos Deputados, chamada por
eles de “a PEC da morte”, e outros projetos de lei em tramitação estão
“rasgando a Constituição Federal e os direitos sociais”.
O presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT/RS) explicou
que o SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo e lamentou que
uma das maiores conquistas sociais do Brasil esteja ameaçada
— Percebe-se algumas ameaças ao funcionamento do SUS
como se este fora o culpado pelos desarranjos orçamentários. O ministro
aparentemente pretende rasgar, se assim o fizer, a Constituição. Em vez de
propor melhorias na gestão e fiscalização eficiente de gastos — argumentou.
Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS),
Ronald Ferreira, as ameaças ao SUS não representam apenas um ataque à saúde
pública, mas ao “processo civilizatório brasileiro”. Segundo ele, a PEC
241/2016 pode provocar uma perda de recursos para o orçamento da saúde da ordem
R$ 12 bilhões apenas entre 2017 e 2018. Ele defendeu a formação de ampla
aliança política para enfrentamento da situação, em que “o povo precisa ter voz
e espaço”.
— Essa é uma aliança necessária, que exigirá ampla
convergência de forças políticas, sociais e patrióticas em defesa dos direitos
sociais, particularmente a saúde — afirmou.
A PEC institui o novo regime fiscal por meio da
fixação de limite individualizado para a despesa dos Três Poderes e de todos os
órgãos públicos. A proposta, de autoria do Poder Executivo, aguarda designação
de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. De
acordo com a PEC, os limites para o exercício de 2017 ficarão fixados no valor
da despesa primária realizada no exercício de 2016, corrigida pela inflação
oficial (IPCA).
De acordo com a proposta, a regra do reajuste pela
inflação, sem crescimento real das despesas, vigorará por 20 anos. O governo
poderá propor, por meio de projeto de lei, a revisão desse critério, para
vigorar a partir do décimo ano de vigência da emenda constitucional. O governo
afirma que o objetivo da medida, chamada de Novo Regime Fiscal, é conter o
crescimento das despesas federais. Segundo a justificativa que acompanha a PEC,
a raiz do problema fiscal brasileiro está no aumento acelerado da despesa
pública primária.
O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), bispo auxiliar de Brasília, Dom Leonardo Ulrich Steiner,
protestou contra a PEC 241/2016, dizendo que ela significará um retrocesso. O
bispo convidou a sociedade a se manifestar e a defender os pobres.
Para o secretário-executivo do Grito dos Excluídos
Continental, Luiz Bassegio, a proposta representa a perda de direitos
estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Ele afirmou que as atuais
medidas vão ter como consequência imediata o aumento da pobreza. Segundo
advogado e consultor executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP),
Carlos Alves Moura, a busca pelo equilíbrio fiscal não pode prejudicar os fins
sociais do Estado.
— Antes de se pagar a dívida monetária, há de se
resgatar a dívida social histórica — disse.
Senadores
Para a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), lutar pelo SUS
é lutar pela democracia. A senadora afirmou que o mais grave de tudo, é que
está em curso uma agenda que jamais seria aprovada pelo voto da população.
— Como é que alguém, por exemplo, iria se eleger
presidente deste país, dizendo que iria enviar ao Congresso Nacional uma
proposta de emenda à Constituição, que tem por objetivo congelar os gastos
sociais? — questionou.
A senadora Regina Sousa (PT-PI) sugeriu trazer a
população para debater a pauta do SUS. Ela lamentou que muitos reclamam do SUS,
mas não veem os benefícios que recebem por meio do sistema.
— Não estou dizendo que o imposto não é alto. É alto,
sim. Mas as pessoas incorporam que não tem retorno. Fazem uma cirurgia de R$ 50
mil, não pagam nada e acham que não tem retorno — afirmou.
O senador Paim afirmou que fará um seminário sobre o
tema “Saúde, Previdência e Direitos Sociais”, sugestão feita pela professora
Lígia Bahia.
Fiscalização
De acordo com a presidente do Instituto de
Fiscalização e Controle do SUS, Jovita Rosa, que trabalha há 23 anos na
fiscalização do dinheiro da Saúde, grande parte dos recursos destinados ao
Sistema Único não são executados. Ela criticou a falta de regularização de um
sistema de auditoria do Ministério da Saúde, o que acaba desobrigando também
estados e municípios a regularizarem uma auditoria dos recursos destinados ao
setor.
— Este ano, se não tivesse corte nenhum, seriam em
torno de R$ 110 bilhões. Desses R$ 110 bilhões do orçamento da Saúde, mais de
70% vão para estados e municípios realizarem ações e serviços de saúde. E,
pasmem, aqui em Brasília eles têm uma dificuldade de executar esse valor. Então
as pessoas deixam guardado no banco, rendendo juros. O dinheiro do SUS em
Brasília está salvando o BRB [Banco de Brasília]! Agora, as pessoas estão
morrendo! — denunciou.
Mudança
de modelo
Especialista em políticas de saúde, a professora Lígia
Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, disse que o sistema da
seguridade social sempre enfrentou forte oposição de segmentos mais
identificados com uma organização do país dentro de um modelo econômico
liberal. Segundo ela, a novidade agora é que a campanha pela retirada de
direitos sociais, inclusive na saúde, aparece “embalada” no discurso de que a
“Constituição não cabe no Orçamento”.
— Só se fala em despesas, e não em como podemos
arrecadar mais e combater a sonegação, que é uma forma de corrupção — disse.
A professora afirmou ainda que no governo atual está
em curso uma “balcanização” do Ministério da Saúde. Ela identificou o titular
da pasta, Ricardo Barros, como um político alinhado com o setor privado de
saúde. Também disse que cargos importantes do ministério foram ocupados por
representantes de segmentos de “filantrópicas privadas” da saúde ou por
indicações partidárias que visam usar a máquina da saúde para atender
interesses de “clientela política”.
— Nas condições de seus currículos, essas pessoas seriam imediatamente vetadas. Não é possível que interesses públicos e privados se misturem dessa maneira — criticou.
Fonte: Agência Senado/Assessoria