O Estatuto do Idoso completou seu primeiro aniversário ainda engatinhando.Em vigência desde o dia 1º de janeiro de 2004, o feixe de 118 artigos surgiu para amparar, proteger e dar qualidade de vida aos brasileiros com mais de 60 anos. Um ano depois, comemoram-se conquistas. Mas também amargam-se decepções.- Pouca coisa mudou. O estatuto é lei, mas não é cumprido - protesta José Luiz da Rosa, diretor-presidente do Conselho Estadual do Idoso.Há visões mais otimistas. Conforme a promotora de Justiça Angela Salton Rotunno, o estatuto é responsável pelo elevado número de reclamações (cerca de 40 por escrito e de 90 por telefone a cada mês) que o Ministério Público Estadual passou a receber. A maioria se refere a maus-tratos e a abandono de idosos.- A cultura de desrespeito aos idosos é antiga. A legislação está despertando a consciência da população sobre os direitos que o idoso tem - afirma Angela.Para o senador Paulo Paim , autor do projeto que deu origem ao estatuto, a nova lei é uma peça revolucionária que já trouxe avanços apesar dos problemas.- É natural que sua aplicação na plenitude demore algum tempo. Isso vai acontecer com a pressão da sociedade - diz.Veja a seguir como foi o primeiro ano de alguns dos principais direitos assegurados pela lei e a visão de quatro idosos ouvidos por Zero Hora sobre as conquistas.Desconto em ingressosA aplicação do estatutoA cultura e o entretenimento ficaram mais próximos dos idosos desde 1º de janeiro de 2004. Vem sendo cumprido pela maioria dos estabelecimentos o artigo que garante abatimento de 50% no valor do ingresso para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer. A promotora do Ministério Público Estadual Angela Salton Rotunno afirma desconhecer casos de descumprimento.O clima de boa vontade levou o Conselho Estadual do Idoso a propor, em casos de espetáculos com custo elevado, acertos com os promotores por meio dos quais se reserva aos idosos apenas uma parte dos assentos, em geral de 10% a 15% do total. O objetivo é evitar prejuízos. O único senão é apresentado pelo diretor-presidente do conselho, José Luiz da Rosa: segundo ele, há estádios de futebol em que se nega o desconto. O presidente da Federação Gaúcha de Futebol, Francisco Novelletto Neto, diz que o direito aos 50% está garantido e que os ingressos já saem da entidade com o abatimento. Ele diz não ter recebido reclamações sobre descumprimento.Ney Costa, 80 anos, está ciente das facilidades de acesso a atividades culturais e de lazer:- Tenho direito a desconto de 50% no ingresso. Estou aproveitando muito essa lei para ir ao cinema - afirma.Apesar de exigir o cumprimento da norma, Costa concordou em pagar o valor integral para ver Ronaldinho jogar no Beira-Rio, na noite da última quarta-feira de 2004.- Aceitei porque se trata de um jogo beneficente - explicou.TransporteA aplicação do estatutoO direito de viajar de graça ou pagando metade do preço da passagem em linhas interestaduais converteu-se em uma das maiores decepções do primeiro ano de vigência do Estatuto do Idoso. A Associação Brasileira das Empresas de Transporte Rodoviário Interestadual e Internacional de Passageiros (Abrati) ficou liberada de cumprir o estatuto, por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).Empresas de ônibus que não são filiadas à Abrati continuam obrigadas a oferecer a isenção e o desconto. Para o Rio Grande do Sul, isso significa que os idosos obtêm o benefício em uma das nove companhias com linhas interestaduais, conforme o setor de monitoramento da Agência Nacional de Transportes Terrestres. A decisão definitiva sobre o artigo caberá ao Supremo Tribunal Federal.Conforme o estatuto, pessoas com mais de 60 anos e com renda de até dois salários mínimos têm direito a duas vagas gratuitas em cada carro e à compra de passagens nos transportes interestaduais por 50% do valor - desde que solicitem o benefício com até sete dias de antecedência.Morador do Rio, Ellis Coelho de Moura, 79 anos, vive atravessando o país de ônibus. Na semana passada, encontrava-se no Rio Grande do Sul em visita a amigos. Nesta, estará em Mato Grosso do Sul com familiares. Mesmo assim, desconhece o que o estatuto prevê em relação a viagens em linhas interestaduais:- Viajo bastante, mas nunca tinha ouvido falar que idosos podem ter desconto em ônibus. Sempre pago o valor integral - conta.CrimeA aplicação do estatutoA nova legislação inovou ao prever penas de detenção para quem maltrata (seis meses a 12 anos), deixa de prestar assistência (seis meses a um ano) ou coage (dois a cinco anos) o idoso.Conforme a delegada Adriana Regina da Costa, da Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso da Capital, o estatuto tornou mais fácil enquadrar e encaminhar casos ao criar crimes específicos contra os mais velhos.Ela afirma que há uma média de 110 ocorrências por mês, a maioria de abandono, maus-tratos e apropriação de bens.- Todas as ocorrências dão origem a inquérito policial ou a termo circunstanciado. Temos muitos casos de indiciamento, de pena de prestação de serviços comunitários e de prisões - diz Adriana.A própria delegacia ganhou nova sede e foi ampliada depois de o estatuto entrar em vigor. Conforme a delegada, a Justiça está cumprindo sua parte, obedecendo o estatuto quanto ao direito dos maiores de 60 anos de terem tramitação prioritária de seus processos.Develcina Ferreira, 72 anos, revela que não deu a menor atenção quando tentaram lhe explicar o estatuto. Ele não crê que a lei possa protegê-la em caso de maus-tratos ou de crimes.- A única coisa que sei do estatuto é que o idoso é como uma criança. No dia em que me acontecer alguma coisa, vou registrar na polícia porque é obrigatório. Mas sei que não vai adiantar nada. Não acredito no estatuto - afirma.SaúdeA aplicação do estatutoA saúde revelou-se um ponto fraco do estatuto. No papel, os idosos conquistaram direitos como fornecimento gratuito de medicamentos por parte do poder público e prioridade no atendimento. Na prática, a situação mudou pouco.- Recebemos muitas denúncias de falta de remédios e de atendimento em condições precárias - critica José Luiz Prado da Rosa, diretor-presidente do Conselho Estadual do Idoso.Leonildo José Mariani, assessor técnico da área de saúde da Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs), reconhece os problemas. Segundo ele, as prefeituras, que respondem pelo atendimento do SUS, não tiveram um aumento de recursos que permitisse acompanhar as exigências.Na área dos planos privados, festejam-se avanços. Conforme o conselho estadual, o artigo que veda a a cobrança de valores diferenciados em razão da idade passou a ser seguido.- Antes os idosos pagavam quase o dobro. Os planos tiveram de se adequar - diz o senador Paulo Paim, autor do projeto que deu origem ao estatuto.O aposentado Cila Carvalho, 76 anos, afirma não conhecer o que determina o Estatuto do Idoso. O único ponto da legislação com o qual tem familiaridade faz com que desconfie da eficácia da lei.- O que sei é que quando vou com a receita médica buscar um remédio sempre dizem que não tem. Nisso não houve nenhuma melhora. Tenho que tirar dinheiro do próprio bolso - protesta.