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18.Junho
Por acordo, plenário aprova Estatuto da Igualdade Racial, sem cotas

Por acordo partidário, com votação simbólica dos líderes, o plenário do Senado aprovou no início da noite, em sessão extraordinária, o Estatuto da Igualdade Racial. O projeto, que tramitou por sete anos no Congresso, será enviado imediatamente à sanção do presidente da República.O projeto havia sido votado no início da tarde pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde também houve acordo. No plenário, apenas o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), relator da matéria, explicou as mudanças que fez na proposta, por meio de supressão, fruto inclusive de negociação com o senador Paulo Paim (PT-RS), representando os movimentos raciais e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Com a supressão de artigos, a matéria não precisa retornar ao exame da Câmara dos deputados.Onde havia a expressão "raça", ele substituiu por "etnia", ponderando que a ciência já mostrou que não há raça negra, branca ou amarela, mas sim raça humana. "A diferença entre dois homens de cor diferente, conforme a ciência, não chega a 0,005 por cento", disse. Demóstenes informou ainda que o Senado decidiu suprimir as expressões "cotas raciais", por entender que devem existir cotas sociais, mas isso terá de ser tratado em outra lei.Relator suprimiu reserva de vagas para negros nas eleiçõesO Estatuto da Igualdade Racial tramitou por sete anos nas duas Casas dos Congresso Nacional.O projeto de lei (PLS 213/03), de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), passou por diversas modificações no Senado e na Câmara dos Deputados e é fruto de intensa discussão.O relator, Demóstenes Torres (DEM-GO), rejeitou integralmente quatro artigos e incorporou 11 emendas de redação. Foi suprimida a exigência de reserva de 10% das vagas de cada partido ou coligação para candidatos representantes da população negra. Ele também eliminou proposta que dispensava a exigência de representação do ofendido para processamento de crimes contra a honra (injúria, calúnia ou difamação) praticados contra funcionário público em razão de suas funções.O relator também retirou o artigo que estabelecia políticas nacionais de saúde específicas para os negros. E justificou sua decisão, no parecer, afirmando tratar-se de um equívoco usar o conceito de raça para indicar a predisposição a certas doenças."Trata-se de posição ultrapassada que foi derrubada pelas descobertas recentes da genética. Mesmo doenças ditas raciais, como a anemia falciforme, decorrem de estratégias evolucionárias de populações expostas a agentes infecciosos específicos. Nada tem a ver com a cor da pele", sustentou.O último dispositivo suprimido integralmente possibilitava ao poder público conceder incentivos fiscais às empresas com mais de 20 empregados que mantivessem uma cota mínima de 20% de trabalhadores negros. No entendimento de Demóstenes, esse benefício poderia estimular a demissão de trabalhadores brancos, "muitos dos quais, pobres".Demóstenes rejeita sistema de cotas para negros na educaçãoO sistema de cotas para negros na educação foi rejeitado pelo senador Demóstenes Torres (DEM), relator do substitutivo da Câmara ao projeto (PLS 213/03) de Estatuto da Igualdade Racial, aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Além de recusar a obrigatoriedade de o governo federal incentivar instituições de ensino superior públicas e privadas a incluir alunos negros em seus programas de pós-graduação, o relator decidiu derrubar a prioridade no acesso da população negra às instituições federais de ensino técnico de nível médio e superior.Ao justificar essa rejeição, Demóstenes argumentou, no parecer, que "o acesso à universidade e ao programa de pós-graduação, por expressa determinação constitucional, deve-se fazer de acordo com o princípio do mérito e do acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um".De qualquer modo, o relator do PLS 213/03 na CCJ manteve na seção do Estatuto da Igualdade Racial sobre educação a previsão de que o poder público adotará programas de ação afirmativa. Também preservou a determinação ao governo federal, por meio dos órgãos responsáveis pelas políticas de promoção da igualdade e de educação, de acompanhar e avaliar os programas educacionais."Raças não existem"Muitas das 11 emendas de redação elaboradas por Demóstenes retiraram do texto do substitutivo as expressões "raça", "racial" e "étnico-raciais". O relator justificou sua iniciativa afirmando que "geneticamente, raças não existem". Na sua avaliação, ao se ater ao "mito da raça", o Estado brasileiro, por meio do estatuto, estaria ajudando a fomentar no seio da sociedade - e não a desconstruir - "a falsa ideia de que raças existem".A terminologia foi mantida, no entanto, na parte do Estatuto que trata dos princípios, de acordo com o relator, para guardar semelhança com o texto constitucional.O relator também suprimiu as expressões "derivadas da escravidão" e "fortalecer a identidade negra" de artigos do substitutivo preservados. No primeiro caso, observou que, "sem esquecer os erros cometidos, devemos voltar nosso esforço para o futuro e buscar a justiça social para todos os injustiçados, sem qualquer forma de limitação". No segundo, considerou não existir no Brasil uma "identidade negra" paralela a uma "identidade branca"."No Brasil, a existência de valores nacionais, comuns a todas as cores quebra o estigma da classificação identitária maniqueísta. Encontram-se elementos da cultura africana em praticamente todos os ícones do orgulho nacional, seja na identidade que o brasileiro tenta construir, seja na imagem do país difundida no exterior", analisou ainda no parecer.Para Sarney, Estatuto da Igualdade Racial resgata maior dívida do Brasil"O resgate da maior dívida jamais paga". Assim o presidente do Senado, José Sarney, definiu, na manhã desta quarta-feira (16), o projeto de Estatuto da Igualdade Racial, previsto para ser votado à tarde pelo Plenário da Casa. Em sua opinião, um dia depois da vitória da seleção brasileira em sua estreia na copa mundial de futebol, essa é a oportunidade de o Brasil "dar de goleada".Diante do ministro Elói Ferreira, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; do senador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto; e de representantes de organizações do movimento negro, Sarney falou da influência africana na identidade nacional.- Nossa identidade foi forjada pelo africano. Nossa alegria vem da África. A aprovação desse projeto é o resgate da maior dívida jamais paga, uma dívida que nunca resgatamos. A força, a alegria, a coragem do brasileiro vêm da África.No encontro, Sarney foi lembrado de que é um dos precursores desse Estatuto. Ele reconheceu que foi o primeiro a defender a fixação de quotas raciais para os descendentes dos africanos forçados a vir trabalhar como escravos no Brasil. E se disse integrado, desde sempre, nesse esforço.- Estou integrado nessa luta com alma e convicção. Vamos para a vitória. Com Dunga ontem fomos de 2 a 1, hoje vamos dar de goleada.No mesmo tom otimista, Alberto Jorge Silva, coordenador regional de Religiões de Matrizes Africanas e Ameríndias, antecipou para Sarney que as galerias do Plenário se encheriam para assistir a essa votação.- Nosso povo hoje estará nas galerias. Pela primeira vez, nós, macumbeiros, fomos contemplados num movimento específico. Sempre fomos perseguidos pela polícia. Terreiros de macumba, neste país, até hoje são invadidos e apedrejados. Nossos voduns nos dão a certeza de que hoje teremos quórum, de que o projeto passará hoje -Também presente à solenidade, Eduardo de Oliveira, presidente do Congresso Nacional Afro-Brasileiro, anunciou que ali se abria "um caminho mínimo prenunciando uma larga passagem para a tocha do ideal negro no Brasil".Teresa Cardoso / Agência Senado(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)