O município gaúcho de Santa Maria está enfrentando um grande surto de toxoplasmose e precisa de ajuda do governo federal na definição de protocolos para atender, identificar e tratar doentes, para garantir os medicamentos adequados e para as campanhas de conscientização contra a doença. O apelo foi feito durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) que debateu o tema nesta quinta-feira (28).
— É o maior surto do mundo, com consequências em longo prazo — alertou a procuradora da República, Tatiana Dornelles.
Uma lista de demandas foi entregue pelo senador Paulo Paim (PT), que presidiu a audiência pública, ao representante do Ministério da Saúde, Osnei Okumoto, secretário de Vigilância em Saúde.
— Fico com o compromisso de repassar e fazer reuniões com os demais secretários do ministério. Gosto de dar resposta para tudo que me pedem, isso vai ficar na lista e todo dia vamos ticando nossas solicitações, obrigações e compromissos, e ficamos nesse dever de dar andamento a todas essas solicitações — afirmou Okumoto.
Entre os encaminhamentos, o senador Paim ressaltou a importância de mais investimentos para o tratamento da epidemia de toxoplasmose em Santa Maria; além de promover políticas de prevenção da toxoplasmose em nível nacional; criar protocolo de diretrizes terapêuticas em casos de epidemia de toxoplasmose; ampliar a sorologia do teste do pezinho para incluir o teste de toxoplasmose; apresentar diretriz para exame mensal de toxoplasmose no acompanhamento pré-natal; montar um planejamento para atendimento dos pacientes com sequelas oculares; reforçar a verba destinada para a vigilância em saúde; reforçar a verba para o Hospital Universitário de Santa Maria que atende a gestante com toxoplasmose e as crianças com toxoplasmose congênita; habilitar o ambulatório de gestante de alto risco do Hospital Universitário de Santa Maria.
De março deste ano, quando se detectou o início da contaminação, até a semana passada, quando foi divulgado o último boletim epidemiológico, 569 doentes tiveram a confirmação e há outros 312 casos em investigação. O maior surto até então era o do Paraná, em 2001, com cerca de 420 doentes. E nem mesmo os medicamentos básicos para o tratamento foram enviados pelo Ministério, destacou.
Ainda não se identificou a fonte da doença, o que torna a contaminação pela água e por alimentos a hipótese mais provável. Sem essa correta identificação, não é possível cessar o ciclo, o que torna mais importante a atuação do Executivo nacional.
— A situação de Santa Maria serve de modelo e oportunidade para que o Ministério da Saúde estabeleça um protocolo para a doença, amplo, que diga respeito desde a prevenção aos insumos diagnósticos, e à disponibilização de medicamentos. Porque, a partir do protocolo, há uma exigência de provimento desses insumos, algo que não temos visto com naturalidade e rotina — explicou Alexandre Schwarzbold, médico infectologista do Hospital Universitário de Santa Maria.
Protocolo
Métodos de atendimento, rotinas de tratamento e fluxos, como a repetição de exames, foram soluções locais, pensadas e estruturadas com a colaboração dos gestores do município, mas há risco de não se conseguir manter os atendimentos por falta de recursos e apoio.
— Somos e fomos muito eficientes no manejo do surto, mas precisamos consolidar essa eficiência, não podemos ser eficientes sozinhos, precisamos de retaguarda para permanência dessa eficiência. Fica o pedido para que saia tudo do papel — disse Paula Martinez, médica infectologista.
Gestantes
O que vem deixando os gestores e a comunidade médica especialmente preocupados é a contaminação das gestantes, já que a toxoplasmose passa para o feto e quase sempre leva à morte ou causa efeitos permanentes aos bebês, como danos neurológicos e cegueira.
Já são 50 gestantes confirmadas, 145 casos em investigação e cinco abortos contabilizados, e não há na cidade centros especializados para atender adequadamente aos bebês que nascerão com deficiência. Nem mesmo o Hospital Universitário da cidade é reconhecido como especializado e de alta complexidade, o que dificulta a destinação de mais recursos, destacou a procuradora da República, Lara Caro.
Controle ambiental
Os debatedores ressaltaram a importância de ações de controle ambiental para conter a doença e evitar contaminação. Ações de higiene e limpeza, como fervura de água para eliminar os oocistos esporulados, que contêm os protozoários causadores da toxoplasmose, são básicas e precisam ser divulgadas para a população, mas até mesmo para isso faltam recursos. É preciso conscientização para ações simples como a limpeza de caixas d’água, para eliminar o lodo onde o causador da doença pode sobreviver.
— A população tem que se engajar nisso. Não da para esperar que só o município, o governo, a União, os entes [públicos] façam a sua parte. A população também precisa fazer a dela — disse Rossana Schuch, procuradora geral de Santa Maria.
A toxoplasmose não atinge somente as camadas mais carentes da população. São mulheres com ensino superior as mais infectadas, justamente as que consomem mais água e se alimentam de verduras e legumes, ou seja, quem tem mais informação e busca hábitos saudáveis, disse Jane Costa, médica infectologista.
Ela também frisou a necessidade de controle da população de felinos, já que é no intestino dos gatos que o ciclo de desenvolvimento do protozoário se completa.
— Mas não adianta matar o gato, é preciso cuidar do meio ambiente — afirmou.
Boate Kiss
A toxoplasmose é mais uma tragédia enfrentada por Santa Maria, também palco do incêndio da Boate Kiss, que vitimou 242 pessoas e feriu outras 680, em janeiro de 2013.
Agência Senado